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10 Janeiro, 2022

Retrato Póstumo do Imperador Augusto

Coleção Bühler-Brockhaus – Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa
Os romanos, mais do que nós, eram pragmáticos. As esculturas faziam parte da chamada “propaganda política e de luta pela imagem”, tal como bem definiu Paul Zanker, um conhecido especialista da arte clássica. No mundo romano, os melhores exemplos desta conceção artística correspondem a esculturas e baixos-relevos escultóricos que pretendiam celebrar o imperador Augusto.
Governando os destinos da cidade e do império por mais quatro décadas, Augusto foi o primeiro dirigente romano a beneficiar de uma imagem padronizada, difundida a larga escala. Até à data conhecem-se mais de duzentos e cinquenta retratos de Augusto, um número superior a qualquer outro imperador romano. As estimativas apontam que em época romana teriam existido entre 25, 000 a 50, 000 retratos em pedra do imperador distribuídos pelos cantos mais recônditos do Império. A padronização iconográfica, através dos retratos, permitia não só a aceitação da sua política no exercício do poder, mas também a substituição da presença física do imperador.
A fixação e a difusão da imagem do príncipes servia dois objetivos precisos: assinalar a durabilidade e a visibilidade do seu poder, tornando-o onipresente em todo o império, e simbolizar a integração das cidades na nova ordem romana. Rompia-se o estilo e a iconografia dos retratos republicanos. As imagens dos imperadores funcionavam como vetores privilegiados da ideologia do principado; eram, como temos afirmado, produtos padronizados de uma arte controlada. Simbolizavam, ainda, a integração das cidades numa nova ordem e a sua adesão ao regime.
A fisionomia do rosto, mais ou menos realista, tinha a função subtil de construir a identidade pessoal e ilustrar o carácter e as qualidades da personagem representada. Trata-se de um novo conteúdo ético, a expressão de um mundo novo, que conjugava os ideais neoáticos com o chamado helenismo itálico.
A tentativa de identificar as distintas versões dos retratos dos imperadores remonta aos finais do século XIX, tentando-se, a partir dos exemplares existentes, imaginar como seriam os protótipos entretanto perdidos. Para essa tentativa de identificação tem-se atentado não na aparência geral, mas também nos pequenos detalhes. No caso de Augusto têm-se distinguido pelo menos três tipos de retratos, associados a fases sucessivas da iconografia do imperador e ao sabor da propaganda política:
– o Tipo 1, o mais antigo, representa-o ainda como octaviano, com um pathos mais helenístico, retratando-o ainda jovem, vencedor da guerra civil que assolava Roma nos finais da república;
– o Tipo 2, principal, inspirado nos modelos clássicos, em particular no Dorífero de Policleto, que têm como exemplo canônico a conhecida escultura “Augusto Prima Porta” descoberta em 1863 na Vila suburbana de Lívia, em Prima Porta, a poucos quilómetros a norte de Roma (e que conta com cerca de 170 exemplares deste estilo). Esta versão copia um original perdido em bronze que provavelmente estaria no topo do mausoléu deste imperador, no Campo de Marte.
– o Tipo 3, também conhecido por Tipo Forbes/Louvre MA 1280, é o mais dúbio de todos e visto como um sucessor relativamente mal sucedido de “Prima Porta”, ou seja, um precursor transitório daquele. Este último tipo é também conhecido por alguns estudiosos como “tipo Ara Pacis”, considerando as semelhanças com o retrato esculpido do imperador neste monumento. A principal característica distintiva é o penteado com uma fila de mechas em forma de vírgula, todas orientadas sob a testa para um dos lados.
A atribuição dos bustos deste imperador a um destes três tipos acima descritos apesar de funcionar na maior parte dos casos, levanta, todavia, alguns problemas, em particular graças ao desconhecimento dos supostos protótipos em barro, cera ou gesso que não chegaram até nós. Por outro lado, as diferenças entre alguns exemplares não são assim tão claras. Devemos ainda considerar que alguns exemplares foram produzidos após a sua morte, podendo mesmo deduzir-se a existência de um amplo mercado em todo o período imperial.
Uma das obras de arte mais destacáveis da coleção Bühler-Brockhaus corresponde a um busto de excecional qualidade artística que ilustra o imperador Augusto. Desconhecemos a sua proveniência, mas sabemos que foi adquirido a Tomasso Brothers, Fine Arts, na conhecida feira de antiguidades de Maastricht (TEFAF), no dia 16 de março de 2019. De acordo com os dados reunidos, esteve numa coleção privada em Roundhay, Leeds, Inglaterra, desde a década de 60 do século passado. Ainda que este busto se aproxime dos conhecidos retratos de Tipo 3, ou Tipo Forbes/Louvre MA 1280, apresenta algumas características, em particular o penteado, que nos leva a sugerir tratar-se de uma obra póstuma datável do período Júlio-Cláudio. Como é característico deste período o cabelo é mais farto e as mechas do cabelo estão mais cheias sobre a testa, auferindo-lhe uma maior plasticidade, ainda que modelado a partir dos modelos predecessores, em particular, como referimos, aqueles do Tipo 3. Apesar de se tratar de uma obra póstuma o retrato conserva a forma calma e sublime, mantendo os traços fisionómicos do imperador que copiam os modelos clássicos. A representação da coroa de louros, a coroa cívica, é um atributo que associa a figura do imperador a Apolo, deus da bondade, beleza e da paz, e conforme às austeras tradições dos antigos costumes romanos, e está também presente nas representações da deusa Vitória e dos generais vitoriosos. Este atributo também se encontra em camafeus, moedas e relevos escultóricos em que a esfinge do imperador aparece com a corona cívica e triumphalis.

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